
Publicado: 27/02/2025 às 14:18
A insegurança jurídica na contratação de "Servidores" Públicos pelo regime celetista
Resumo
Este artigo explora a insegurança jurídica na contratação de servidores públicos pelo regime celetista, conforme permitido pela Emenda Constitucional nº 19/1998 e consolidado pela ADI 2135 do STF. A análise aborda as diferenças entre os regimes celetista e estatutário, destacando a ausência de estabilidade no regime celetista e seus reflexos em carreiras específicas. Conclui com propostas para mitigar fragilidades jurídicas e harmonizar as relações entre Estado e empregados públicos.
Palavras-chave: Regime Celetista, Regime Jurídico Único, Segurança Jurídica, Estabilidade, Serviço Público.
1 – Introdução
Como é cediço a ciência jurídica como um todo guarda relação direta com a sociedade e o seu estágio de maturação, sendo na essência uma ciência interdisciplinar que sofre influências de outras ciências humanas como a filosofia, a antropologia e a sociologia, além da própria psicologia e a psicanálise. Partindo desta premissa, é certo que às leis e o direito em si deve sempre refletir o estágio de maturação da sociedade em que se insere.
Neste contexto, assim como a sociedade e as percepções sociais sobre os temas mais diversos e caros à sociedade modificam-se com o tempo, também o direito se modifica, atualizando-se para atendimento dos anseios sociais visando a garantia da ordem e da paz social, às vezes refletindo em avanços e por vezes em retrocessos. Não diferente ocorreu com o direito administrativo e, neste sentido, podemos citar ao menos três grandes reformas administrativas, sendo elas: (1) A Reforma Administrativa de 1930 (implantação do modelo burocrático); (2) Decreto-Lei nº 200/67 (implantação do modelo gerencial); (3) O Plano de Reforma do Aparelho do Estado -PDRAE de 1995 (que veiculou pequena reforma no modelo gerencial já instalado).
2 – A Emenda Constitucional nº 19/1998 e a Flexibilização do RJU
Ao longo destes estágios evolucionários o direito administrativo brasileiro passou do modelo patrimonialista, para o modelo burocrático e desembocou no atual modelo gerencial, também conhecido como Nova Gestão Pública, cuja o foco é o resultado e não mais o processo. Seguindo o histórico
de evolução, em 1998, adveio a Emenda Constitucional nº 19/19981 que não foi uma ampla reforma administrativa, não trouxe reflexos e alterações no modelo gerencial e nas diretrizes basilares daquele, mas pretendeu introduzir significativas alterações nos regimes, princípios e normas aplicáveis à Administração Pública, aos servidores e agentes públicos, porquanto tratando- se de reforma de elementos importantes da estrutura administrativa gerencial.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 019/1998, que veiculou reforma administrativa dos entes estatais, a sua própria ementa destaca os pontos de modificação, senão vejamos: “Modifica o regime e dispõe sobre princípio e normas da Administração Pública, Servidores e Agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências.” Apesar de não tratar-se de reforma profunda e disruptiva, na prática, trouxe consigo significativos reflexos, sobretudo na proposta redacional do artigo 39 da Constituição Federal, flexibilizando a incidência do Regime Jurídico Único (RJU) na Administração Pública.
Vejamos a redação originária do artigo 39 da Carta Magna, e a redação proposta pela EC nº 19/19982:
Redação originária:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
Redação da EC nº 19/98:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.
Nota-se que originariamente o Regime Jurídico Único era um imperativo constitucional a ser observado em favor dos servidores públicos e, com o advento da Emenda Constitucional nº 19/1998, este imperativo foi flexibilizado, admitindo, por via reflexa, que o RJU não seja o único e obrigatório regime para incidência sobre os servidores públicos, porquanto passando a admitir também o Regime Celetista – CLT.
Eis a pedra de toque da questão posta neste artigo, e que estava com discussão adormecida em razão da liminar deferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2135 que suspendia os efeitos da nova redação do artigo 39, mas que a partir do julgamento de mérito da indigitada ação, em 06 de novembro de 2024, o entendimento foi revisto e a constitucionalidade do artigo 39, com redação dada pela EC nº 19/1998, foi declarada pelo STF.
3 – Os Regimes Jurídicos e a Decisão da ADI 2135
Mas, e daí, o que muda de prático com isso? O Regime Jurídico Único não mais existe e não mais pode ser aplicado? Todas as contratações devem ser obrigatoriamente celebradas sob a égide do Regime Celetista? E o
1 BRASIL. Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998.
2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
que ocorre com os atuais servidores públicos efetivos e estáveis? E os concursos públicos? Estas e outras perguntas vêm tomando evidência nas discussões entre servidores e cidadãos que tem a meta de tornarem-se servidores públicos, e é exatamente a resposta destas o objetivo central deste artigo, com foco na análise da segurança ou insegurança jurídica da contratação de servidores pelo regime celetista.
Pois bem. Em primeiro momento, é oportuno destacar que com o julgamento da ADI 2135 não houve a revogação do RJU e sim sua flexibilização, ou seja, à administração pública passou a ser lícito valer-se tanto do regime jurídico único quanto do regime celetista para contratação dos servidores e empregados públicos, e tudo isso dependerá da autonomia legislativa de cada ente público. Em resumo: se um determinado Estado ou um determinado município não optar por legislar e disciplinar o regime celetista, o que, repita-se, é uma opção, não haverá qualquer alteração formal ou material que reflita nos servidores públicos deste ente, mantendo-se a sistemática e realidade formal vigente até então.
Lado outro, é certo que trata-se de opção legislativa e gerencial, de modo que atualmente subsistem dois regimes jurídicos possíveis e lícitos, sendo um o já conhecido Regime Jurídico Único e o outro o também já conhecida, mas, prioritariamente aplicado à iniciativa privada, que é o Regime Celetista.
Na prática, isso quer dizer que as contratações públicas poderão ser realizadas como na iniciativa privada, contratando-se livremente? A resposta é um sonoro não!
O artigo 37 da Constituição Federal, em especial o seu inciso II, com redação dada pela própria EC nº 19/1998, é claro a estabelecer a prévia submissão a concurso público de provas ou de provas e títulos como requisito para ingresso no serviço público e admissão de pessoal, com exceção das situações já conhecidas de nomeações para cargos em comissão e de contratações temporárias por excepcional interesse público promovidas mediante processo seletivo, sendo que estas últimas de natureza precária e, como regra, de vinculação temporária.
4 – Comparação entre RJU e Regime Celetista
Logo, nada mudou quanto à regra geral de submissão prévia a concurso público para ingresso nos quadros “efetivos” da Administração Pública, ou seja, nos cargos que não tem natureza precária. Entretanto, no bojo do edital do concurso, agora é lícito ao ente público promotor, depois de garantir a regulamentação legislativa própria, optar por submeter os cargos do concurso ao Regime Jurídico Único ou ao Regime Celetista, inclusive de fazê- lo de forma híbrida, com concursos onde alguns cargos se submeterão ao RJU e outros ao Regime Celetista.
De igual sorte, também nada mudou quanto a necessidade de prévia realização do processo seletivo simplificado para as contratações temporárias por excepcional interesse público, que neste caso permanecem obrigatórios. As contratações temporárias por excepcional interesse público (art. 37, IX, da CF/1988), que tem caráter jurídico-administrativo e que por vezes os julgados e a própria doutrinam vêm classificando os reflexivos contratos como contratos sui generis, tanto podem estabelecer no edital do processo seletivo o regime jurídico de vinculação como sendo regime jurídico
único do município contratante quanto a incidência do regime jurídico celetista, porquanto sendo esta uma discricionariedade da gestão promotora do certame.
Neste sentido, vejamos a doutrina de Maria Sylvia Zanella DI
PIETRO:
“O vínculo jurídico do servidor temporário com a Administração Pública não é trabalhista e nem estatutário, já que o regime jurídico do exercício da função pública temporária é caracterizado pela lei de cada entidade federativa. Assim, a lei pode optar pelo regime trabalhista ou estatutário, sem descaracterizar a relação jurídica contratual administrativa.³”
Nota-se, portanto, que na essência, não houve qualquer alteração
quanto à forma de ingresso no serviço público, mantendo-se incólume a figura jurídica do concurso público como regra, e do processo seletivo para as contratações temporárias, mas, com o adendo da liberdade de opção do administrador acerca do regime jurídico a que se subsumirão os futuros selecionados, se o RJU ou se o Celetista.
Outro ponto de destaque é o fato de que com o advento do julgamento de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2135, ficou estabelecido, na linha de raciocínio do voto do Ministro Gilmar Mendes que os efeitos da decisão de mérito teriam eficácia ex nunc, ou seja, produzindo efeitos a partir do julgamento, portanto, vedada a retroação e consequentemente a transmudação de regime dos atuais servidores. E o que isso significa? Significa que todos os direitos e garantias dos atuais servidores públicos efetivos, já estáveis ou em período de estágio probatório, não sofrem qualquer alteração jurídica, mantendo-se para os mesmos a regra e o Regime Jurídico Único que foi estabelecido por ocasião do processo de seleção (Concurso Público ou Processo Seletivo Simplificado).
É defeso aos gestores e às administrações transmudarem os servidores públicos atuais para outro regime diverso daquele de opção por ocasião da seleção e, especialmente para os servidores efetivos, é defeso a mudança do Regime Jurídico Único e passagem para o Regime Celetista, vez que o ato jurídico perfeito e o direito adquirido permanecem assegurados.
Lado outro, a partir de 06 de novembro de 2024, com o julgamento de mérito da ADI 2135, é possível que os entes administrativos Brasil afora disciplinem a questão em legislação própria e passem a adotar o Regime Celetista para as futuras contratações dos “servidores” públicos efetivos, que pela boa técnica, nesta hipótese, devem ser denominados de empregados públicos.
Não é demais registrar que hoje, por força da norma de transição existente na Constituição Federal de 1988, existem e muitos de nós convivemos com empregados públicos, que não são estáveis, mas que gozam de estabilidade no serviço público. E, neste contexto, de certa forma é possível traçar um comparativo analógico com a situação dos futuros empregados públicos que venham a se submeter a concurso público sob a égide do Regime Celetista e àqueles empregados públicos estabilizados no serviço público por força do disposto no artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/88.
3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; Motta, Fabrício; Ferraz, Luciano de Araújo. Servidores públicos na Constituição Federal. 3 ed. Atlas: São Paulo, 2015. p.93.
Pois bem. Restando enfrentadas os principais questionamentos ventilados no início deste texto, e restando perene o fato de que sobre o processo de ingresso no serviço público (concurso ou seleção simplificada) não houve alterações, bem como que doravante é lícito à Administração Pública optar pela submissão dos novos cargos ao RJU ou ao Regime Celetista, mantendo-se a coexistência e aplicabilidade dos dois regimes, e que o julgamento de mérito da ADI 21354 e consequente declaração de constitucionalidade do texto do artigo 39 da Constituição Federal com redação dada pela EC nº 19/1998 não traz consigo qualquer efeito retroativo ou possibilidade de transmudação de regime dos atuais servidores públicos, passamos a enfrentar as perspectivas das novas contratações pelo Regime Celetista e os reflexos destas para os servidores públicos, ou melhor, para os novos empregados públicos.
Propedeuticamente destaco que a submissão ao Regime Celetista não é por si só, em sua integralidade, ruim para os futuros servidores/empregados públicos, pois, traz consigo várias vantagens, a que pese ter uma desvantagem significativa e que é a pedra de toque e maior anseio dos servidores atuais e dos pretensos servidores, qual seja a relativização da estabilidade.
Neste sentido, para tornar o tema didático, e partindo da premissa de que a estabilidade no serviço público é a alteração mais significativa e de reflexos práticos para os futuros empregados públicos, vamos trazer alguns dos pontos positivos e negativos de cada regime e, ao final, abordar a questão da estabilidade, para o fim de visualizar a segurança ou insegurança jurídica incidente sobre os concursos e processos seletivos cujo regime jurídico de opção venha a ser o celetista.
Partindo desta premissa, vejamos no quadro comparativo abaixo as principais vantagens e desvantagens do Regime Jurídico Único e do Regime Celetista aplicáveis às vinculações com o serviço público:
4 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Decisão da ADI 2135. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=11299. Acesso em 02 de dezembro de 2024.
Estas, em essência, são as principais diferenças entre os regimes para os servidores/empregados públicos, sendo possível observar no referenciado quadro comparativo as vantagens e desvantagens de cada regime.
Não por acaso, negritamos dois aspectos para cada um dos regimes, quais sejam a ESTABILIDADE e a SEGURANÇA JURÍDICA, sendo estes, em nosso sentir, os aspectos negativos da vinculação ao Regime Celetista sob a ótica do cidadão que pretende ingressar no serviço público e exercer emprego público. Sim, é isto mesmo, emprego público, pois, a ocupação de cargo público tecnicamente só se aplica nas hipóteses de vinculação estatutária (RJU).
5 – Impactos e Insegurança Jurídica no Regime Celetista
A distinção entre estabilidade e segurança jurídica nos regimes RJU e CLT reflete diretamente a essência da relação jurídica que cada modelo estabelece entre o servidor e o Estado. No Regime Jurídico Único (RJU), a estabilidade, garantida após três anos de estágio probatório, emerge como um pilar fundamental. Esse direito, inscrito no artigo 41 da Constituição Federal, assegura que a demissão só ocorrerá mediante decisão judicial transitada em julgado, processo administrativo disciplinar com ampla defesa, ou avaliação periódica de desempenho regulamentada por lei. Na prática, isso significa que o servidor estatutário desfruta de uma robusta proteção contra desligamentos arbitrários ou discricionários, promovendo um ambiente de trabalho mais previsível e seguro.
Por outro lado, no Regime Celetista (CLT), a estabilidade funcional, tal como prevista no RJU, é substituída por uma proteção mais limitada contra dispensa arbitrária ou sem justa causa. Essa proteção, regulamentada no artigo 7º, inciso I, da Constituição, implica o pagamento de indenização correspondente ao saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e aviso prévio, mas não evita o desligamento do vínculo, tampouco exige procedimentos complexos e garantia do contraditório e da ampla defesa para tanto. Na perspectiva do empregado público, isso introduz uma margem de vulnerabilidade, especialmente em períodos de mudanças políticas ou ajustes fiscais, em que as administrações podem priorizar a flexibilidade na gestão de pessoal em detrimento da continuidade contratual, promovendo demissões justificadas vez que são atos administrativos que exigem motivação, mas, sem as amarras da estabilidade e necessidade de garantia de prévio processo administrativo onde se assegure contraditório e ampla defesa ao empregado público. Em suma, é um procedimento mais simplificado e ágil.
Logo, de um lado no RJU temos a figura da estabilidade no serviço público e de outro lado, no Regime Celetista, temos a estabilidade funcional, sendo a primeira focada na manutenção do vínculo e da estabilidade como mecanismos de autonomia e independência, e a segunda como um mecanismo de compensação, porquanto priorizando o interesse da administração em detrimento do interesse do empregado público.
Quanto à segurança jurídica, o RJU proporciona maior previsibilidade devido ao arcabouço normativo específico que rege os direitos e deveres dos servidores. Planos de carreira estruturados, garantias previdenciárias e direitos como licenças e afastamentos previstos em lei
conferem uma sensação de estabilidade, tanto no exercício da função quanto na progressão ao longo da carreira. Já no regime celetista, a vinculação à CLT, embora abrangente em termos trabalhistas, está sujeita a maior dinamismo, pois as condições de trabalho podem ser alteradas por negociações coletivas, mudanças na legislação ou políticas institucionais específicas. Isso pode gerar insegurança para os empregados públicos, que dependem da manutenção de normas trabalhistas gerais aplicáveis a setores amplos da economia.
Assim, para o cidadão que pretende ingressar no serviço público, a escolha entre os regimes vai além de um simples aspecto formal; ela reflete uma decisão sobre a relação que deseja estabelecer com a administração pública. O RJU é mais atrativo para quem busca um vínculo de longo prazo, estável e com proteção robusta contra desligamentos arbitrários. O regime celetista, por sua vez, pode atender melhor a quem valoriza maior flexibilidade e adaptabilidade na relação de trabalho, ainda que isso signifique abrir mão de uma estabilidade funcional plena e de uma segurança jurídica mais previsível.
Na sistemática atual, o entendimento do STF segue no sentido de que o Regime Jurídico Único há de ser observado para as carreiras de Estado, ao passo em que para as carreiras de nível médio, técnico e auxiliar que não tenham natureza de carreiras de Estado devem prevalecer, por opção do ente federado, a incidência do Regime Celetista.
6 – O Caso dos Professores e Carreiras Sensíveis
Temos, pois, que os reflexos da decisão quanto à adoção do regime celetista podem variar consideravelmente entre diferentes áreas do serviço público, demandando atenção especial, por exemplo, na Educação. Cargos de professores, especialmente no ensino fundamental e médio, estão entre os mais suscetíveis a essas mudanças. A transição para o regime celetista poderá impactar diretamente a estabilidade desses profissionais, que desempenham papel crucial na formação de cidadãos e no desenvolvimento social.
É necessário lembrar que tais alterações não serão automáticas, dependendo da aprovação de leis específicas para cada cargo e da análise do Supremo Tribunal Federal (STF) em casos concretos. Este cenário exige amplo debate público, pois qualquer modificação nesse campo poderá afetar não apenas os professores enquanto trabalhadores, mas também a qualidade da educação ofertada no país, tornando-se um dos pontos centrais nas discussões sobre a flexibilização do regime jurídico no setor público.
7 – Conclusão e Reflexões Finais
Em conclusão temos que a contratação de empregados públicos pelo regime celetista, permitida e validada pela flexibilização introduzida pela Emenda Constitucional nº 19/1998 e consolidada pelo julgamento de mérito da ADI 2135, escancara importantes fragilidades jurídicas para aqueles que aspiram ingressar no serviço público. A insegurança jurídica que permeia esse modelo de vinculação reside, essencialmente, na ausência de estabilidade e na imprevisibilidade quanto à manutenção de direitos e condições de trabalho.
Primeiramente, a inexistência de estabilidade funcional equiparável à prevista no Regime Jurídico Único (RJU) coloca o empregado
público em posição vulnerável, especialmente diante de mudanças políticas e administrativas, ou seja, há forte perda no viés de independência e autonomia do servidor público frente ao empregado público. A possibilidade de demissão sem justa causa, ainda que mitigada pelas garantias da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é insuficiente para oferecer o grau de proteção que caracteriza a relação estatutária, o que torna o vínculo celetista menos atrativo e mais suscetível a interferências externas, comprometendo a segurança no emprego.
Além disso, a dependência do regime celetista de normativas trabalhistas gerais e negociações coletivas cria um ambiente de incerteza quanto aos direitos aplicáveis. A ausência de um estatuto específico para os empregados públicos gera disparidades, colocando-os em condições jurídicas distintas e, muitas vezes, desfavoráveis quando comparados aos servidores estatutários que exercem funções semelhantes, sendo este outro ponto de debate que me arrisco a destacar que será motivo de inúmeros debates judiciais, vez que não resta clara a compatibilidade destas situações de exercício de funções semelhantes com o princípio da impessoalidade prescrito no artigo 37 da CF/88 e que aplica-se também às vinculações sob o regime celetista.
Outro ponto crítico, ao menos no cenário atual, está na ausência de uma regulamentação uniforme para empregos públicos, deixando brechas interpretativas e promovendo disparidades entre entes federativos. Essa fragmentação legislativa intensifica a insegurança jurídica, não apenas para os empregados, mas também para os gestores públicos, que enfrentam desafios em relação à isonomia e à continuidade das políticas de pessoal.
Por fim, no nosso sentir, os reflexos dessa insegurança jurídica ultrapassam o âmbito individual, impactando diretamente a eficiência e a qualidade dos serviços públicos, vez que a rotatividade mais elevada e a menor proteção jurídica tendem a desmotivar os empregados públicos, afetando a continuidade e o compromisso necessários ao desempenho de funções públicas, bem como fomentando com o tempo a ausência de especialização e capacitação continuadas que são imprescindíveis para a qualidade do serviço público ofertado.
Diante desses desafios, torna-se essencial um debate aprofundado e responsável sobre a regulamentação do regime celetista no serviço público. A harmonização legislativa, a delimitação clara de direitos e deveres, e o estabelecimento de critérios objetivos para a escolha do regime jurídico aplicável em cada caso (Carreiras típicas de Estado e Carreiras técnicas, administrativas, auxiliares) são medidas indispensáveis para reduzir a insegurança jurídica e promover maior previsibilidade e confiança no vínculo entre o Estado e seus empregados públicos.
(Autor: Diego Augusto Fernandes Gonçalves de Souza. Advogado municipalista, Especialista em Direito Municipal e MBA em Gestão Pública. Coautora: Anna Karoliny Revorêdo Evangelista. Acadêmica de direito, 4º período de Direito pela Unifavip Wyden.)
Assinado por –
Dr. Diego Souza
Consultor Jurídico do SINTEC